–
Ainda vais escrever?,
pergunta
ela.
Eu
digo que não, que não vou escrever. Digo que o computador não funciona e que só
tenho o portátil e que no portátil tenho de martelar nos acentos para ter
acentos e martelar no espaço para ter espaços e martelar nas teclas todas para
que saia qualquer coisa, porque se não sai tudo ao contrário ou não sai nada. Eu digo que amanhã tenho um dia longo, que vou almoçar a Lisboa com a minha mãe e que à
noite dou um jantar em minha casa, que ainda tenho de ir às compras, que nem sequer sei o que vou fazer para o jantar. Eu digo
que tudo isso me deixa irritado, eu digo que não vou escrever.
Estamos os dois
sentados ao balcão de um bar, eu paguei a conta, tu chegaste nem há meia hora,
eu estava a olhar para o telefone, para um daqueles jogos que jogamos para
passar o tempo quando estamos sozinhos de madrugada ao balcão de um bar - sou
bom nisso, nesses jogos que jogamos para passar o tempo quando estamos sozinhos
de madrugada ao balcão de um bar. E como estou de costas para a porta não te
vejo entrar, mas quando o Francisco à minha frente diz do lado de lá do balcão,
–
então, estás bem?,
de
alguma maneira eu sabia que ia ver o teu rosto quando virasse a cara. E depois
virei a cara. E depois vi-te. E ainda antes de sorrir e ainda antes de dizer,
–
olá,
e
ainda antes de começar a fingir que estar contigo aqui sentado ao balcão de um
bar é a coisa mais normal do mundo, não conseguia parar de pensar no que eu parecia, não conseguia parar de pensar que eu era um tipo sozinho ao balcão de um bar a jogar um jogo no telemóvel e no quanto eu era,
– ridículo,
que foi o que tu pensaste mesmo que não o tenhas dito.
Depois
falámos meia hora e eu paguei. Tu perguntaste-me se eu ainda ia escrever e
mesmo tendo dito o contrário, estou aqui a martelar no espaço e nos acentos.
(e
desinstalei o jogo.)
Estavas
nervosa e disseste,
–
tenho sonhado que vou morrer,
e
eu apenas sorri porque a maior parte das vezes a única coisa que consigo fazer à
tua frente é sorrir, mas não queria sorrir, até porque, se uma pessoa diz,
–
acho que vou morrer,
e
a outra sorri, parece que,
percebem?,
parece
que ia ter gosto nisso. Estive para dizer,
–
que engraçado, sabes que te chamam Dinamene?, sabes que às vezes algumas pessoas
me dizem, dizem-me assim,
–
tens visto a tua Dinamene?,
ou,
–
e a tua Dinamene, como é que vão as coisas?
As
coisas, claro, não vão de maneira nenhuma. As coisas nunca vão de maneira
nenhuma. Às vezes parece que morreste. Às vezes sento-me aqui, onde estou agora
sentado, onde me sento todos os dias antes de me ir deitar, quando penso no que
passou, quando penso no dia que passou, no que eu fiz, no que eu não fiz, no
que aconteceu e no que não aconteceu, e às vezes, aqui sentado, a olhar para o
tempo a passar ao meu lado ou para mim no mesmo sítio, e parece que morreste.
Parece mesmo que morreste e que eu nem me apercebi, como naquele dia em que te
sentaste ao meu lado ao balcão de um bar enquanto eu olhava para o telemóvel e
o Francisco dizia,
–
Então, estás bem?
Não.
Isto não é um bom final.
Um bom final é eu dizer que tudo isto faz parte de qualquer coisa, de um plano qualquer que nos ultrapassa e que, como dizia o Thom York,
– somos acidentes à espera de acontecer.
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