quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

WE ARE SEVEN

Pelas seis da manhã tudo é mais claro, todas as coisas à minha volta começam a fazer sentido, e não é apenas isto, não é apenas isto à minha volta, a minha casa, a louça por lavar, as luzes todas acesas, os post-it na parede, o sol a nascer, essas coisas que me garantem que estou na minha casa mesmo que seja estranho olhar em volta e dizer,
– esta é a minha casa,
porque quando era novo não imaginei que a minha casa fosse assim, não desta maneira, não sei como a imaginava, não sei dizer como era, mas tinha uma ideia diferente, talvez mais ampla, talvez mais branca, talvez apenas com mais qualquer coisa que esta não tem, pelo menos a esta hora não tem, às seis da manhã não tem aquilo que eu imaginava, e pelas seis da manhã tudo é mais claro e todas as coisas à minha volta começam a fazer sentido.
Ela fazia anos e estava sentada ao balcão de um bar, parece que estou sempre a encontrar pessoas que fazem anos ao balcão de um bar, mas a verdade é que conheço muitas pessoas e quando elas fazem anos têm o hábito de ir até ao balcão de um bar para festejar e fazer um brinde,
suponho,
ao que viveram ou ao que está para vir, e eu tenho o hábito de lá estar, eu tenho o péssimo hábito de lá estar, ao balcão de um bar, à espera que seja tarde o suficiente e vir para casa, até serem seis da manhã e poder voltar para casa com a sensação de que tudo à minha volta começa a fazer sentido. Ela fazia 20 anos. E eu disse,
– 20 anos?,
acho que me lembro de ouvir isso quando tinha 20 anos, acho que me lembro de me sentir velho aos 20 anos e de ter velhos a dizer-me,
– 20 anos?,
como se dissessem,
– quando eu tinha 20 anos.
Mas eu não disse,
– 20 anos?,
com a intenção de dizer,
– quando eu tinha 20 anos,
não. Não foi nada disso. Eu disse,
– 20 anos?,
como quem diz ,
– mas eu não tenho 20 anos, não estou a perceber, não somos da mesma idade?
Mais tarde, nessa noite, mandei-lhe uma mensagem a perguntar o quão velho ela me achava de zero a dez,
– de zero a dez, quanto é que achas que sou velho, não na idade, não no que sou, mas na tua cabeça, quanto é que achas que de zero a dez eu sou velho na tua cabeça?,
foi isso que aconteceu.
– Sete,
respondeu ela hoje,
– acho que és um sete, e já devias saber que esse flirt não funciona,
disse ela hoje, disse assim, 
– acho que és um sete, e já devias saber que esse flirt não funciona.
Entretanto o mundo continua. Há uma que vai e outra que volta, há uma que vai e vem, há outra que talvez venha e uma outra que eu espero que vá,
(bem, agora vai de certeza)
e, não sei, no meio disto tudo tento trabalhar, tento olhar para o computador e dizer,
– vou trabalhar,
mesmo que fique até às seis da manhã sem fazer nada, porque é impossível fazer alguma coisa, cada vez acho mais isso, que não consigo fazer nada, que sou apenas esta pessoa aqui fechada numa casa a ver pessoas a ir e a vir, a acharem-me velho porque estou realmente a ficar velho numa casa com a louça por lavar, as luzes todas acesas, os post-it na parede, o sol a nascer, e sem saber se essas pessoas que vão e vêm, sou eu a tentar esquecer-me de ti ou eu a tentar encontrar-te nelas. Sim, acho que é isso, mas nem te encontro nem te esqueço, e por isso continuo a tentar esquecer-te ou encontrar-te. Continuo sem conseguir encontrar-te ou esquecer-te nessas pessoas,
vou chamar-lhes isso
que passam por aqui, como se,
como se, o quê?,
como se fizessem alguma diferença.
No outro dia, quando te encontrei ao balcão de um bar,
(mesmo que não fizesses anos)
não consegui dizer,
– estás tão bonita,
que era o que eu queria dizer. Não queria dizer mais nada a não ser isso, mas
que estranho
não o disse.
Acho que só o consegui dizer uma vez, de todos os dias que te vi e de todos os dias em que te quis dizer isso, só o disse uma vez, mas quando o disse estive dois meses sem te ver,
(como castigo)
só assim,
– estás tão bonita,
acho que te quis dizer isto sempre que te vi mesmo que não o tenha dito e acho que se a seguir eu dissesse,
– pensa num número de um a dez,
tu dirias,
– sete.

Sem comentários:

Enviar um comentário