quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

ALL THE PLACES YOU CAN GO

Sabes,
quando ao fim de dez tentativas falhadas de enfiar a pen no computador decidi olhar com atenção para a pen e para o computador e percebi que estava há dez tentativas a tentar enfiar um isqueiro numa entrada USB pensei,
é normal que estas coisas aconteçam, é normal que tente enfiar isqueiros em computadores, estou tão cansado que tento enfiar uma pen que é um isqueiro no computador, estou tão cansado que não consigo dormir,
não estou cansado porque foi um dia longo,
não é isso,
estou cansado porque por muito que não queira tenho quase quarenta anos e de certa maneira parece que,
parece que tudo começa a ser mais difícil mesmo que achasse que ia ser mais fácil, e talvez por isso esteja tão cansado,
tão cansado que tenho a ideia de ir dormir, de me ir deitar, e depois levanto-me do computador e depois de doze horas,
desculpa,
depois de doze passos, dou por mim parado a meio da casa a olhar para as coisas sem saber o que estou ali a fazer, a meio da casa, com um isqueiro na mão, a olhar para a mesa, os livros, as paredes, e a pensar,
mas o que é que eu estou aqui a fazer, parado a meio da casa sem saber para onde ir?, será que ia buscar alguma coisa?, mas eu não estou à procura de nada por isso não há nada que eu fosse procurar, será que ia mijar?, mas não tenho vontade de mijar por isso não faz sentido estar aqui, de pé, a meio da casa, a pensar se vou mijar quando não tenho vontade de mijar ou a pensar se estou à procura de alguma coisa quando não tenho nada que procurar,
até tenho um isqueiro na mão,
e por isso volto a sentar-me ao computador e penso,
tenho tanto que fazer e tão pouca vontade para tudo, parece que tudo o que tenho para fazer é um desperdício do que sou, parece que tudo o que faço é apenas uma outra pessoa que eu inventei, a fazer aquilo que os outros acham que eu devo fazer, e por isso vou fazendo as coisas só porque sim, sem saber bem o que estou a fazer, sem ânimo nem vontade, continuar a continuar, olhar para o lado, quer seja sentado ao computador, a meio da casa ou deitado na cama e pensar,
é estranho estar aqui,
porque é estranho estar aqui, é tão estranho estar deitado na cama, como em pé a meio da casa, ou sentado ao computador, porque entretanto depois de não saber o que estava a fazer a meio da casa, voltei para o computador porque achei que era cedo para ir para a cama e depois de não conseguir enfiar o isqueiro numa entrada USB porque queria transferir uns ficheiros para uma pen, comecei a falar com o Pedro sobre a peça e sobre coisas que temos de tratar e às tantas ele disse uma coisa e eu disse outra coisa e depois ele disse,
– és demasiado poético,
como se dissesse que é normal  as coisas estarem como estão, que eu não tenho nada que  me queixar,
– és demasiado poético,
disse ele,
– ninguém percebe o que estás a dizer,
disse ele,
– eu estou a falar da tua vida, não estou a falar dos teus textos, os teus textos toda a gente percebe,
disse ele,
– estou a falar de ti,
disse ele,
– estou a falar da tua vida,
e entretanto adormeci,
talvez duas horas ou três horas a dormir, a dormir sentado à frente do computador enquanto o Pedro falava comigo e eu não respondia adormecido,,
ainda agora era cedo e ia deitar-me cedo, e de repente são duas ou três horas a mais, de repente são horas a menos e são coisas a mais,
tenho de perder este hábito de estar tão cansado que adormeço em qualquer lado,
no outro dia acordaram-me na portagem,
uma fila de carros atrás de mim a apitar e o homem da portagem aos gritos, a dizer para eu baixar o vidro, que eu tinha de pagar, que havia um hotel na auto-estrada e que era melhor ir para casa,
– és demasiado poético, vai para casa,
disse o homem da portagem,
não sei,
confundo as histórias,
e,
sabes,
talvez seja só isso, talvez seja mesmo só isso, só coisas que eu não consigo que aconteçam mesmo tendo esta certeza de que deviam acontecer,
como enfiar um isqueiro numa entrada USB.

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