Sou daqueles que esconde mais do que mostra, sim, acho que
sou daqueles que esconde mais do que mostra, daqueles que desvia o olhar e não quer
dizer o teu nome, daqueles que não sabe sequer como dizer o teu nome, daqueles
que não diz o teu nome com medo de ser transparente, tão transparente que toda
a gente repara naquilo que toda a gente sabe e que toda a gente repara mesmo
que eu esconda o teu nome e me esconda a mim, a desviar o olhar, a fingir que não
existes, a fingir que és apenas um encolher de ombros quando me perguntam por
ti ou a fingir-me distraído e ausente, a fingir-me
espantado e indiferente,
– hã?
quando me dizem que te viram aqui e ali, que ouviram esta
e aquela história, quando me dizem o teu nome e te insultam, e insultam-te a sério,
porque se lembram de te insultar talvez apenas porque é tarde e porque, acho,
olham para ti e pensam que não me mereces, não é que não me mereças, é não
mereceres o que sinto por ti, é olharem para mim e acharem que eu sou um
desperdício, que eu desperdiço sentimentos, que eu desperdiço os meus
sentimentos todos contigo, que eu sou apenas um desperdício de sentimentos na
pessoa errada, e por isso insultam-te, chamam-te puta e coisas piores, enquanto
eu escondo mais do que mostro e encolho os ombros e digo,
– o que é que eu tenho a ver com isso?,
ao mesmo tempo que cada vez mais me sinto como a minha prima
Francisca, que há quase dois anos, na carta de suicídio, escreveu,
– não me mato por amor, mas pela falta dele, do amor
(o meu tio, o pai da Francisca, a ler a carta de suicídio
para a família enquanto toda a família chorava a morte da Francisca-encharcada-em-comprimidos
e eu a pensar,
– devias ter pedido a minha ajuda, Francisca, devias ter pedido a minha ajuda para rever o
texto, que merda de frase).
À tarde, hoje, depois das aulas, fui fazer compras. Eu
cheio de sacos para o jantar, um em cada braço, a balançar pela rua, a tentar
chegar à porta do prédio sem deixar que um deles me mande ao chão. E penso em
ti enquanto atravesso a estrada, penso em ti ao meu lado, a atravessar a estrada com sacos debaixo do braço. Penso em ti ao meu lado tão rápido quanto desapareces e eu fico a olhar para a estrada sem carros porque não está lá ninguém.
Daqui a uma horas, ao balcão de um bar, o Bruno há-de perguntar-me,
– e tu, estás bem?,
e eu hei-de responder enquanto olho para lado nenhum,
– sim.
Daqui a uma horas, ao balcão de um bar, o Bruno há-de perguntar-me,
– e tu, estás bem?,
e eu hei-de responder enquanto olho para lado nenhum,
– sim.
Entro no prédio com os sacos e a pensar em ti. Atrás de
mim aparece um homem com a filha. Eu olho para trás. Olho para eles. Eu digo,
– boa tarde,
e o homem, que deve ser mais novo que eu, diz,
– boa tarde,
a miúda, que deve ter uns cinco ou seis anos não diz nada,
apenas olha para mim e para os sacos. Eu estou com vontade de desaparecer, de
me ver em casa sem vizinhos nem elevadores, de apenas imaginar um mundo onde
caminhas descalça à minha frente pela relva e eu olho para ti e tu dizes,
– Mike,
e eu a olho para ti e mostro muito mais do que escondo, e tu olhas para mim.
Entretanto,
na vida real,
estou no elevador com sacos de um lado e de outro e uma miúda
de cinco ou seis anos a olhar para mim fixamente e a dizer-me, a dizer-me nos
olhos enquanto eu olhava para ela,
– porque é que estás tão triste?,
e o pai que deve ser mais novo que eu,
– deixa o senhor em paz,
e o pai para mim,
– desculpe,
e eu com um sorriso,
– não faz mal,
e a miúda outra vez quando voltei a olhar para ela,
– porque é que estás tão triste?
«(– devias ter pedido a minha ajuda, Francisca, devias ter pedido a minha ajuda para rever o texto, que merda de frase)»
ResponderEliminarTiago