E por isso corremos. Corremos e corremos.
Estamos sempre a correr. Às vezes corremos para conseguir chegar a algum lado,
às vezes corremos porque estamos a fugir de alguma coisa. Eu não sei qual das
duas coisas estou a fazer, não sei se estou a correr para conseguir chegar a
algum lado ou se estou a correr para fugir de alguma coisa. Sei que estou a
correr, que estamos a correr outra vez. Estamos sempre a correr, como se não
fosse possível viver devagar, como se não fosse possível estar quieto ou apenas
não querer chegar a algum lado porque já chegámos onde queremos chegar ou
porque nada nos assusta e não temos de fugir. Mas isso quando acontece é nos
filmes, na vida continuamos a querer chegar a algum lado ou continuamos a fugir
de alguma coisa. E por isso corremos e continuamos a correr. Não paramos,
continuamos a correr.
Do princípio.
Por esta hora, há três dias,
estava sentado ao balcão de um bar. E estava bem, estava bem, sentado ao balcão
de um bar enquanto as horas passavam. Depois fui para casa. Tinha de me
levantar cedo e pensei em ir para a cama. Depois peguei no telemóvel, olhei
para o telemóvel e pensei,
– não,
e depois atirei-o contra a
parede e o telemóvel partiu-se aos bocados.
Passaram-se umas horas e
estava bem. Era já de manhã e estava a passear num jardim e nada acontecia e
como nada acontecia estava tudo bem. Acho que estava tudo calmo à minha volta e
por isso eu também estava assim, calmo. De repente começou a soar um alarme, eu
achei que era um alarme, e estranhei, estranhei ouvir um alarme porque como
olhava em volta e nada parecia estar a acontecer, não havia sentido para aquele
alarme soar tão alto e tão intenso, e por isso eu pensei,
– talvez não seja um
alarme, talvez eu esteja a sonhar e este alarme seja a campainha da porta, talvez
seja o David a tocar à campainha porque não tenho despertador e ontem destruí o
telemóvel.
E depois abri os olhos e
estava deitado na cama e era o David a tocar à campainha. Eu levanto-me da
cama, eu abro a porte e ele olha para mim e diz,
– tens o telefone
desligado, já viste que horas são?
E por isso corremos.
Corremos e apanhamos a Jani e continuamos a correr, passamos os vermelhos todos
e todos os limites de velocidade. Vamos para o Porto. Vamos para o Porto outra
vez e por isso corremos porque não queremos ficar aqui, eu não quero ficar
aqui.
De alguma maneira
conseguimos ir e a primeira coisa em que pensamos quando estamos a chegar é que
está tudo na mesma mesmo que não estejamos na mesma. Passou-se quase um ano e
muita coisa aconteceu. Estou a repetir-me. Passou-se um ano e estamos
diferentes, mas estamos no mesmo quarto, no mesmo sítio.
Isto foi há dois dias.
À noite, o David diz-me,
– não sei como aguentas,
a Jani ficou a dormir e nós
fomos, fomos para qualquer lado. A Sofia telefona-lhe e ele fala com a Sofia.
Eu tenho inveja dele. Ele senta-se à minha frente e eu pergunto,
– então, está tudo bem?,
e ele diz,
– sim,
e eu tenho inveja dele,
tenho inveja desse,
– sim,
que ele diz, tal como
tenho inveja da Jani quando ela me diz que é bom quando encontramos alguém que
quer o mesmo que nós, que pensa da mesma maneira, que vê e olha para as coisas
da mesma maneira, que, etc, até eu perguntar,
– estás feliz?,
mesmo sabendo a resposta,
mesmo sabendo qual é a reposta que ela vai dizer, mesmo sabendo que ela vai dizer,
– sim.
e que esse,
– sim,
é o absoluto contrário do
meu,
– não.
E depois continuamos. Já
passaram três dias. Estou na casa de banho do Aduela e olho em frente, leio,
– I love you, honeybear,
e acho que não é coincidência,
acho que não é coincidência alguém ter escrito,
– I love you, honeybear,
numa casa de banho do
Porto enquanto eu estou a mijar e a olhar em frente.
E depois eu saio da casa
de banho e sento-me ao lado do David e ele diz,
– não sei como aguentas,
e eu também não sei, não sei
como aguento. Mas aguento, vou aguentando.
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