quinta-feira, 2 de março de 2017

IN THE BLEAK MID-WINTER (1)

E por isso corremos. Corremos e corremos. Estamos sempre a correr. Às vezes corremos para conseguir chegar a algum lado, às vezes corremos porque estamos a fugir de alguma coisa. Eu não sei qual das duas coisas estou a fazer, não sei se estou a correr para conseguir chegar a algum lado ou se estou a correr para fugir de alguma coisa. Sei que estou a correr, que estamos a correr outra vez. Estamos sempre a correr, como se não fosse possível viver devagar, como se não fosse possível estar quieto ou apenas não querer chegar a algum lado porque já chegámos onde queremos chegar ou porque nada nos assusta e não temos de fugir. Mas isso quando acontece é nos filmes, na vida continuamos a querer chegar a algum lado ou continuamos a fugir de alguma coisa. E por isso corremos e continuamos a correr. Não paramos, continuamos a correr.
Do princípio.
Por esta hora, há três dias, estava sentado ao balcão de um bar. E estava bem, estava bem, sentado ao balcão de um bar enquanto as horas passavam. Depois fui para casa. Tinha de me levantar cedo e pensei em ir para a cama. Depois peguei no telemóvel, olhei para o telemóvel e pensei,
– não,
e depois atirei-o contra a parede e o telemóvel partiu-se aos bocados.
Passaram-se umas horas e estava bem. Era já de manhã e estava a passear num jardim e nada acontecia e como nada acontecia estava tudo bem. Acho que estava tudo calmo à minha volta e por isso eu também estava assim, calmo. De repente começou a soar um alarme, eu achei que era um alarme, e estranhei, estranhei ouvir um alarme porque como olhava em volta e nada parecia estar a acontecer, não havia sentido para aquele alarme soar tão alto e tão intenso, e por isso eu pensei,
– talvez não seja um alarme, talvez eu esteja a sonhar e este alarme seja a campainha da porta, talvez seja o David a tocar à campainha porque não tenho despertador e ontem destruí o telemóvel.
E depois abri os olhos e estava deitado na cama e era o David a tocar à campainha. Eu levanto-me da cama, eu abro a porte e ele olha para mim e diz,
– tens o telefone desligado, já viste que horas são?
E por isso corremos. Corremos e apanhamos a Jani e continuamos a correr, passamos os vermelhos todos e todos os limites de velocidade. Vamos para o Porto. Vamos para o Porto outra vez e por isso corremos porque não queremos ficar aqui, eu não quero ficar aqui.
De alguma maneira conseguimos ir e a primeira coisa em que pensamos quando estamos a chegar é que está tudo na mesma mesmo que não estejamos na mesma. Passou-se quase um ano e muita coisa aconteceu. Estou a repetir-me. Passou-se um ano e estamos diferentes, mas estamos no mesmo quarto, no mesmo sítio.
Isto foi há dois dias.
À noite, o David diz-me,
– não sei como aguentas,
a Jani ficou a dormir e nós fomos, fomos para qualquer lado. A Sofia telefona-lhe e ele fala com a Sofia. Eu tenho inveja dele. Ele senta-se à minha frente e eu pergunto,
– então, está tudo bem?,
e ele diz,
– sim,
e eu tenho inveja dele, tenho inveja desse,
– sim,
que ele diz, tal como tenho inveja da Jani quando ela me diz que é bom quando encontramos alguém que quer o mesmo que nós, que pensa da mesma maneira, que vê e olha para as coisas da mesma maneira, que, etc, até eu perguntar,
– estás feliz?,
mesmo sabendo a resposta, mesmo sabendo qual é a reposta que ela vai dizer, mesmo sabendo que ela vai dizer,
– sim.
e que esse,
– sim,
é o absoluto contrário do meu,
– não.
E depois continuamos. Já passaram três dias. Estou na casa de banho do Aduela e olho em frente, leio,
– I love you, honeybear,
e acho que não é coincidência, acho que não é coincidência alguém ter escrito,
– I love you, honeybear,
numa casa de banho do Porto enquanto eu estou a mijar e a olhar em frente.
E depois eu saio da casa de banho e sento-me ao lado do David e ele diz,
– não sei como aguentas,
e eu também não sei, não sei como aguento. Mas aguento, vou aguentando.

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